“É preciso pôr o coletivo acima do individual”, defende a presidente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) foi uma das instituições escolhidas pelo Ministério da Saúde para atuar como referência no Rio Grande do Sul para o tratamento da Covid-19. Para se preparar para o desafio, a instituição expandiu sua capacidade de atendimento, chegando a 105 leitos disponíveis no Centro de Terapia Intensiva (CTI). A instituição adequou o recentemente inaugurado Bloco B para atender a demanda de pacientes com coronavírus, e contratou temporariamente cerca de 700 profissionais em 2020.
A presidente da instituição, professora Nadine Clausell, que participa da série de entrevistas especiais do portal Setor Saúde, aponta que, apesar dos desafios impostos em 2020, o Clínicas conseguiu encerrar um ano com adequado equilíbrio financeiro, ressaltando que este desafio persistirá em 2021. Entre as lições que a pandemia deixa, Clausell entende que “uma pandemia de uma doença nova exige que estejamos dispostos a aprender e a reaprender cada dia. É preciso pôr o coletivo acima do individual”.
Clausell enfatiza a importância das verbas disponibilizadas para concretizar a abertura de 105 leitos de CTI que possibilitaram atender a demanda crescente de pacientes com Covid-19. E enaltece o poder da união para enfrentar a pandemia. “O desafio foi aprender que uma pandemia se enfrenta em conjunto, ainda que separados”, diz. Confira a entrevista completa:
Estruturação de 105 leitos de CTI e enfrentamento da Covid-19
“No Clínicas, tivemos a missão de estruturar e abrir 105 novos leitos de CTI e remanejar um hospital gigantesco para atender a uma nova demanda. O que fica acima de tudo é o empenho dos nossos profissionais, a dedicação de todos para fazer o seu melhor. Sob todos os desafios, nada mais forte do que a resiliência dos profissionais que se desdobram enfrentando as mais duras rotinas para atender, e bem, a população”, enaltece Clausell.
Em agosto, o HCPA concluiu a instalação dos 105 leitos críticos previstos para atendimento a casos graves de Covid-19. Desde 2 de abril, com os recursos recebidos do Ministério da Educação, o hospital foi realizando remanejamento de áreas, equipamentos e profissionais para implementar o seu novo Centro de Terapia Intensiva (CTI) no Bloco B, um dos prédios novos concluídos no final de 2019. Conforme a instituição hospitalar, a instalação foi ocorrendo por módulos, desde o início da pandemia.
Durante 2020, a instituição contratou cerca de 700 profissionais temporários para trabalharem na instituição referência de tratamentos de Covid-19 no RS.
Atendimentos Covid-19 no Hospital de Clínicas
4,3 mil atendimentos na Emergência
2,2 mil admissões em Enfermaria
1,2 mil admissões em CTI
11,2 mil atendimentos e 8,5 mil coletas no Serviço de Medicina Ocupacional (SMO)
4 mil atendimentos presenciais e 9,9 mil por telemedicina na UBS
*dados de 18 de dezembro
Teste de vacinas contra a Covid-19
O Clínicas foi uma das instituições que participaram dos testes de vacinas contra a Covid-19. A instituição participou do estudo Ensemble, com o imunizante da farmacêutica belga Janssen-Cilag, da gigante farmacêutica Johnson & Johnson. A instituição também realizou testes com a vacina da Universidade de Oxford/AstraZeneca.
Tratamento para Covid-19 com “pulmão artificial”
O Clínicas conta com um suporte pulmonar que pode salvar a vida de pacientes com Covid-19 em estado gravíssimo, decorrente da síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). Trata-se da ECMO (extracorporeal membrane oxigenation) que funciona como um pulmão artificial para o paciente, usando um circuito de tubos, bomba, oxigenador e aquecedor que fica instalado fora do corpo.
No Sul do país, o HCPA é pioneiro na utilização do procedimento, disponível desde 2012 na instituição. Até o dia 13 de dezembro, no Clínicas, 13 pacientes com Covid-19 passaram por ECMO, dos quais 7 tiveram sucesso no tratamento e retiraram o “pulmão artificial”, e um permanece em ECMO.
Confira os detalhes do procedimento, em matéria publicada no Setor Saúde, em que foi realizada entrevista com o chefe do Serviço de Cirurgia Torácica do HCPA e coordenador do Programa de ECMO da instituição, professor e médico Mauricio Saueressig.
Desafios da pandemia
Clausell entende que uma pandemia deve ser enfrentada com união de esforços. “Este foi um ano particularmente desafiador, que exigiu muito de toda sociedade e ainda mais de quem trabalha diretamente na saúde. Em uma visão geral, foi um ano em que uma dura realidade se impôs sobre todos. O desafio foi aprender que uma pandemia se enfrenta em conjunto, ainda que separados. A força está no respeito ao próximo”, avalia.
Cenário financeiro do HCPA em 2020 e projeção para 2021
A presidente detalha como a instituição foi impactada neste ano. De acordo com Clausell, o HCPA teve dois tipos de impactos financeiros mais significativos em 2020.
No lado da despesa, o Clínicas se viu obrigado a ampliar o nível dos estoques dos produtos mais críticos para uso no enfrentamento da pandemia, como EPIs e medicamentos usados em intubação. A presidente diz que, além desta necessidade de aumento do estoque, a instituição se viu impactada também pelo expressivo aumento de preços destes insumos.
Já pelo lado da receita, a presidente afirma que o impacto negativo foi causado pela expressiva diminuição de atendimentos de pacientes de convênios, pois o Clínicas dedicou boa parte dos leitos para atendimento de Covid-19. “Por outro lado, fomos impactados positivamente pelo recebimento de verbas para equipar os 105 leitos de CTI que criamos e portarias que habilitaram estes leitos e repassaram recursos para seu custeio”, enaltece.
“Diante deste contexto, conseguimos encerrar o ano de 2020 dentro de um adequado equilíbrio econômico-financeiro. 2021 seguirá sendo um ano muito impactado pela pandemia e necessitará um grande esforço institucional, para a garantia deste equilíbrio. Nosso planejamento orçamentário está levando em conta estas dificuldades e não possibilitará que sejam feitos os investimentos necessários para execução do plano de ampliação do hospital na velocidade desejada”, avalia.
Pandemia seguirá sendo o desafio principal em 2021
“O desafio principal segue sendo o enfrentamento à pandemia, que ainda não acabou. Pelo contrário, os casos voltaram a crescer. Com muita responsabilidade e segurança, vamos continuar a ocupação gradual dos novos blocos, para os quais ainda necessitamos viabilizar recursos que permitam equipá-los”, afirma Clausell.
Hospital pós-pandemia terá maior participação da teleconsulta
Clausell acredita que o hospital pós-pandemia será ainda mais humano e necessário, citando a importância crescente das teleconsultas, impulsionada durante a pandemia pela necessidade de evitar aglomerações. O uso desta tecnologia demonstrou ser uma aliada para a entrega de uma saúde com “compromisso com a qualidade”.
“Se aprendemos com as teleconsultas, nos tornamos ainda mais humanos na atenção que substitui dentro do possível a presença física. Isso é um grande ganho, em especial para pacientes que não precisam mais enfrentar horas na estrada vindos do interior. A responsabilidade e o compromisso com a qualidade se reforçam ainda mais”, analisa.
Novas tendências do mercado de saúde
Na série especial de entrevistas, o leitor do Setor Saúde tem percebido que todos os entrevistados foram questionados sobre como avaliam as novas tendências do mercado de saúde, como verticalizações, fusões e aquisições e parcerias entre hospitais. Como o HCPA é uma instituição pública e universitária, a realidade da instituição sobre os negócios de mercado difere de outras instituições, como explica a presidente, que ressalta o foco por sustentabilidade (o que converge com todas as demais instituições).
“Como um hospital público e universitário, temos um papel diferenciado na rede, formando novos profissionais e atendendo majoritariamente a pacientes SUS. O cuidado com a sustentabilidade, porém, é central. Buscamos sempre melhores práticas de gestão, qualificando práticas e buscando evoluir em novas fontes de renda que repercutem em saúde fiscal e qualidade na atenção. O HCPA não se enquadra nestes movimentos do mercado da saúde com aquisições e fusões por sermos um hospital público universitário”, afirma.
Telessaúde e LGPD
Clausell destaca que as teleconsultas evoluíram rapidamente e “vieram para ficar”. Ela afirma que a estrutura cresceu e todos cresceram junto, somando experiências e coleguismo, no HCPA.
“O Hospital de Clínicas tem desenvolvido há muitos anos um trabalho para ter sistemas de dados adaptados à nossa realidade, com dinamismo e segurança. Nosso AGHUse (Aplicativo para Gestão dos Hospitais Universitários) está em permanente evolução e, somado ao aplicativo Meu Clínicas, alinha-se às demandas que surgiram com a pandemia, permitindo o avanço das teleconsultas respeitando sempre a LGPD. Entendemos que este seja um caminho positivo e sem volta, que traz novos desafios e oportunidades”, frisa. O Clínicas fechou o mês de outubro com 10 mil acessos ao aplicativo Meu Clínicas.
Foco em 2021: pandemia e demandas represadas
“A primeira questão é a pandemia, que seguirá por algum tempo. Esse é um desafio coletivo, amplo, que mudou vidas e rotinas. A isso, é preciso conciliar todos os outros atendimentos. Nunca paramos os atendimentos Oncológicos, mas há muitas outras demandas represadas. Restabelecer a atenção a outras doenças é uma das questões chave”, diz.
Lições da pandemia e mensagem de final de ano
“Entendo que todos nós aprendemos muito sobre união, capacidade de se adaptar à realidade. Uma pandemia de uma doença nova exige que estejamos dispostos a aprender e a reaprender cada dia. É preciso pôr o coletivo acima do individual”, analisa.
“Se o ano de 2020 foi marcado por desafios, que 2021 seja repleto de conquistas. Que se definam as vacinas, e que se vacinem as pessoas. Que todos nós tenhamos aprendido a ser melhores como sociedade e tenhamos, acima de tudo, muita saúde”, finaliza.
Nadine Oliveira Clausell
Graduada em Medicina na Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (1981), seguida de residência médica em Medicina Interna no Hospital de Clínicas de Porto Alegre de 1981-1984. Realizou mestrado em cardiologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1989). Concluiu o doutorado em Cardiologia e Ciências Cardiovasculares na University of Toronto/Canadá (1993). Professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Desde 2002 no CNPq o grupo de pesquisa “Aspectos patogênicos e clínicos envolvidos na progressão da insuficiência cardíaca” sob sua liderança. Foi coordenadora do PPG Cardiologia e Ciências Cardiovasculares da UFRGS. Coordenou o Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do HCPA. Entre 2012 e 2016 exerceu a Vice-Presidência Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Desde 2016 exerce a Presidência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
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